Você provavelmente está lendo esse artigo por um de dois motivos:
Ou você é incorporador e quer demonstrar para um potencial cliente como ele pode ter retorno numa oportunidade que você quer oferecer;
Ou você é investidor em imóveis e precisa avaliar se comprar um empreendimento na planta é um bom negócio;
Antes de continuar, vamos entender que existem duas principais formas de realizar uma incorporação imobiliária:
Incorporação a preço fechado: trata-se da grande maioria dos lançamentos imobiliários na planta, onde um preço é definido em contrato podendo sofrer apenas uma correção por inflação (INCC, por exemplo) até a entrega das chaves. Todos os acabamentos de áreas comum e privativa seguem rigorosamente os memoriais descritivos e a aquisição pode ser feita através de financiamento bancário. Para este caso, recomendamos a leitura do artigo abaixo:
Como Calcular o Retorno do Investimento em Lançamentos Imobiliários
Incorporação a preço de custo: No sistema de construção "por administração", usualmente apelidado de "preço de custo", os interessados nas unidades (sejam casas, apartamentos ou salas comerciais) formam um grupo de investidores (chamado de "condomínio") que irá bancar todos os custos de construção. Neste caso, a incorporadora é responsável pela administração do empreendimento e será remunerada por uma taxa pré-estabelecida. Inicialmente levanta-se um orçamento da obra que poderá sofrer alterações de preço e escopo. Neste sistema não há financiamento com bancos, o preço da unidade será pago ao longo da construção. Mais detalhes sobre esse sistema, é muito importante que você tenha lido nosso artigo do link abaixo explicando mais detalhes dessa forma de investimento:
Incorporação de edifícios por "preço de custo": uma opção para o empreendedor sem capital
Este artigo pretende avaliar uma oportunidade de investimento num apartamento da modalidade "preço de custo" na visão de um potencial adquirente.
Não se trata, portanto, uma análise do ponto de vista da incorporadora, mas sim para seu futuro cliente e investidor.
Se esse é seu caso, vamos aos detalhes da operação.
Índices Econômicos
Inicialmente, vamos estabelecer as premissas de índices econômicos que terão impactos na nossa análise.
INCC: estimaremos o índice de inflação da construção civil em 5,0% a.a., ele simulará o aumento do preço de construção do edifício ao longo do prazo previsto da obra;
IGP-M: representa nossa expectativa de inflação para a economia como um todo e não só para a construção civil, neste caso 4,5%a.a.;
CDI: será nosso benchmark de retorno, isto é, a taxa pela qual compararemos o retorno do investimento imobiliário com uma aplicação bancária simples. Aqui estimamos em 4,25%a.a.;
IR sobre CDI (entre 12 e 24 meses) representa o imposto de renda de aplicações financeiras em prazo compatível ao nosso investimento - neste caso 15%.
CDI líquido: representa os ganhos de uma aplicação bancária do tipo CDB descontados os impostos.
Você pode se perguntar como estimar esses indicadores para o futuro. Realmente essa é uma pergunta que vale milhões e ninguém tem a resposta exata. Se você puxar o Relatório Focus do Banco Central ou de algum banco como o Itaú você vai encontrar projeções dos economistas, mas lembre-se que são apenas projeções e que o futuro é sempre incerto. Apesar disso, podemos trabalhar com níveis de segurança, por exemplo, atualmente quando esse artigo foi escrito, as projeções de inflação estão na casa dos 3,5% a.a. e nesta simulação estamos com 4,5%. Isso representa que temos 1% de "gordura" para impactar nossa projeção. É possível que a inflação atinja 4,5%? Sim. E 10%? Também sim, porém com menor probabilidade. A vantagem de se trabalhar com simulações é que você pode "estressar" suas variáveis e entender como isso impacta os seus retornos.
Valor e Formas de Pagamento do Investimento
No nosso último artigo sobre estruturação de empreendimentos por "preço de custo" discutimos, do ponto de vista de uma incorporadora, como chegar aos números para uma proposta comercial aos clientes potenciais adquirentes de unidades de apartamento em uma torre residencial. Agora, vamos aproveitar os números daquela simulação para alimentar nossas planilhas de análise de viabilidade e chegar à resposta se é ou não um bom negócio.
Números com relação à aquisição da unidade:
1 torre residencial com 40 apartamentos
Área da unidade: 100 m²
Valor de Aquisição: R$ 333.280,97
Valor da Parcela da Entrada: R$19.805,41
Número de Parcelas de Entrada: 1 (única)
Data de Entrada: março de 2020
Número de Parcelas de Obra: 48x (ou 4 anos)
Valor da Parcela de Obra: R$ 6.530,74
Período de atualização das parcelas pelo INCC: semestral
Período de Pagamento das Parcelas de Obra: abril de 2020 a abril de 2024
Como já discutimos a respeito desse sistema, qualquer desvio de custo do orçamento deve ser arcado pelos adquirentes. Logo, assumindo uma postura conservadora, vamos arbitrar que ao longo da construção seja necessário aumentar o custo de obra em 10% (seja por adição de itens não inclusos, aumento de custos além da inflação ou qualquer outro motivo) e um atraso de 6 meses ao longo do cronograma estipulado. Esse é só um "chute" de segurança caso as coisas não andem conforme o esperado...
Aditivo de Obra: 10%
Atraso de Obra: 6 meses
Preenchendo nossas hipóteses e premissas numa tabela, resumimos essas informações no quadro a seguir:
Custos de Aquisição
Ao se concluir a construção, a construtora solicita o Habite-se ou Certificado de Conclusão de Obras à municipalidade. Um fiscal da prefeitura verifica se a obra respeitou o projeto aprovado e emite esse documento. É uma etapa que costuma variar de cidade para cidade em relação ao prazo, nesta simulação vamos estimar em 4 meses.
Também será necessário assinar as escrituras para transferir a propriedade das unidades ao adquirente, este documento tem um custo para ser superado, além do imposto sobre transmissão de bens (ITBI), aqui estimados em 1% e 2%, respectivamente.
Premissas de Venda
Uma vez com a escritura na mão, o investidor poderá vender a unidade a qualquer pessoa. Sem escritura é até possível fazer a transferência dos direitos do contrato com a incorporadora. No entanto, para um potencial comprador que precisa de financiamento para comprar sua unidade pronta, o banco que financiará esta aquisição terá a escritura como exigência.
Se você conversar com um corretor, a venda financiada é a maior parte do mercado. São raras as situações em que um comprador tenha o valor à vista para realizar a compra. Portanto, nossa hipótese é de que será mais provável que um investidor tenha que aguardar até ter a escritura em mãos para vender a unidade.
Vamos aos parâmetros dessa venda:
- Valor de Venda em 2020: R$ 550.000,00 - valor de mercado de apartamentos equivalentes, conforme explicado no artigo anterior;
- Correção de preço: você deve ter percebido que os imóveis não têm preço fixo, eles disparam quando há escassez de oferta e andam de lado ou até caem de preço quando a economia está estagnada. Como esse empreendimento é de ciclo longo, praticamente 5 anos, temos que estimar o valor de venda da unidade no futuro, considerando a inflação dos imóveis. Já publicamos um artigo que mediu a valorização média dos imóveis no Brasil ao longo de 38 anos e o resultado foi de 0,38% ao ano acima da inflação média. Nessa simulação, vamos utilizar 4,90% ao ano que é a soma composta da nossa previsão de IGP-M com a valorização histórica.
- Valor de Venda em 2025: R$ 712.576,59 (esse valor são os R$ 550 mil corrigidos pelos 4,90% ao ano)
- Sinal a ser pago pelo comprador: 20% do preço ou R$ 142.515,32
- Repasse de Financiamento: 80% ou R$ 570.061,27
- Prazo de liberação do financiamento: 2 meses (é o tempo que o banco do cliente leva para concluir a operação e transferir os recursos ao vendedor)
- Prazo para Venda: alguns sites especializados comentam que na média um imóvel demora 400 dias para ser vendido, porém vamos considerar que, por ser um imóvel novo, um novo comprador seja encontrado em 6 meses (um prazo considerado curto e otimista)
- Taxa de Condomínio: enquanto não se encontra um comprador, deve-se arcar com os custos de condomínio, estimados em R$ 700/mês
- Imposto de Renda sobre Ganho de Capital: Temos que estimar o recolhimento do imposto sobre o lucro imobiliário desta transação, aqui com alíquota estimada de 15%
- Comissão na venda: a corretagem imobiliária será paga ao corretor em parcela única de 5% no momento do recebimento do sinal
Resultados
Alimentando nosso modelo de fluxo de caixa com os devidos reajustes da inflação, é possível extrair um demonstrativo de resultado resumido conforme abaixo:
Temos, portanto, uma receita líquida de R$ 637 mil para um custo de R$ 416 mil, resultando em um lucro líquido de R$ 221 mil. As margens desse negócio são:
Margem sobre receita bruta = 34,7%
Margem sobre receita líquida = 31,1%
Margem sobre custos/investimentos = 53,2%
E o que isso significa?
Por enquanto, para mim: NADA...
Antes de se impressionar com os números, lembre-se que investimentos imobiliários tem ciclos longos de maturação e a "conta de padaria" onde "lucro = receita - despesa" não funciona. Apesar das margens e volume do lucro parecer significativo, precisamos entender "quando" e "como" será recebido esses montantes e compará-lo às alternativas do mercado.
O primeiro passo é obter a projeção de Fluxo de Caixa (valores quem entram e saem ao longo do negócio), como na tabela abaixo:
Também podemos arranjar os dados do fluxo de caixa através de um gráfico:
Visualmente com o gráfico podemos tirar algumas conclusões interessantes:
O investimento anual é razoavelmente constante, na ordem de R$ 80mil/ano por 5 anos;
O momento em que você recupera o investimento só acontece no momento da venda (2025), ou 5 anos depois (prazo também chamado de payback);
O vale das linhas tracejadas (2024) indica todo capital necessário para realizar o negócio, na ordem de R$ 390 mil, valor conhecido por exposição de caixa.
Reparem que ao calcular os fluxos mensais e acumulados, também incluímos os valores descontados da inflação. Em azul temos representado o valor nominal e o laranja representa o valor descontando-se o IGP-M projetado (data base de março/2020). Esse cálculo será importante para obter indicadores reais e nominais.
Os indicadores nos ajudam a compreender se esse "lucro" vale a pena ou não. E os principais que podem te ajudar são:
Taxa Interna de Retorno (TIR)
Múltiplo do Investimento (MOI)
Exposição de Capital
Valor Presente Líquido (VPL)
O primeiro ponto a se comentar é que, apesar de termos um lucro líquido de R$ 221 mil, se descontarmos o fator tempo, isto é, trazermos o valor presente desse resultado de 2025 em 2020, temos que esse lucro é de R$ 139 mil. Pra compreender esse número, entenda que, se você investir R$ 415 mil no empreendimento ao invés do CDI, você está ganhando R$ 139 mil a mais do que o CDI.
Ou ainda, se você for comparar esse investimento à sua aplicação bancária do CDB (a qual renderia 4,75% bruto e 3,61% a.a. líquido de impostos), a taxa de retorno projetada do empreendimento tem expectativa de atingir 372% do CDI, um valor razoavelmente interessante.
Se formos colocar esses números num gráfico de barras, podemos ver que:
O CDI líquido perde para a inflação projetada
A TIR do empreendimento ganha da inflação, protegendo o capital do seu poder de compra
A TIR do empreendimento é bem maior que o CDI líquido (3,7x maior), ou seja, o retorno desse negócio parece compensar o risco
Como tomar uma decisão?
A decisão de investir ou não é sempre de quem toma o risco. É uma resposta pessoal.
Mesmo assim, somente com um cenário simulado, não se recomenda tomar uma decisão que envolva valores tão grandes. Portanto, o ideal é que você "estresse" as variáveis para compreender o quão ruim esse negócio pode ficar e o retorno diminuir.
Como será que a taxa de retorno e a exposição de caixa se comportam se, por exemplo:
A obra estourar o orçamento em 20% ao invés de 10%?
A obra atrasar 12 meses ao invés de 6 meses?
O CDI subir para 8% a.a. ?
A inflação disparar para 10% a.a. ?
O preço de venda cair 10%?
São algumas hipóteses que podem ocorrer (não necessariamente todas ao mesmo tempo), mas que é interessante o investidor sentir a sensibilidade dos seus retornos frente aos riscos que ele está aceitando.